30/01/2011

Arquipélago.

         Decerto é enquanto imersos no mar de sonhos que os homens alcançam os seus desejos mais intrínsecos, porquanto sonhos são a maior expressão do egoísmo humano. Ademais, é sonhando que se vive no mundo da solidão e fortúnio e, desta forma, num mundo ilusório, pois não há felicidade na solidão. A solidão exclui a razão; o cérebro. É a ilha!
        Ilhados.
         A vida não é senão a razão do coletivo. As respostas. E, antes de tudo, as perguntas. E vida é nada, porque não há motivo além dos pluralismos; suposições ingênuas. É um sonho de olhos abertos, com verdades sem quórum. A vida acompanha batimentos cardíacos; passos superados pós tentativas exaustivas. É a carência infantil pela atenção adulta. A vida é a necessidade do desprezo às frases negativas; o choro mais sincero do ego. Vida inexiste, porque não acreditamos nela. E não a sabemos.
          Em todo caso, esperamos. Esperamos da vida, porque não a sabemos moldar.
         O sonho é a nossa Terra possessa, diante da nossa amoralidade pedante. Espera-se do outro uma adição arbitrária; felicidade em grãos de amor. Estamos unidos pelo guardião da nossa memória, a qual nos permite experimentar sentimentos servidos como isca, a despeito do espaço implorado pela física. O cérebro está detido pelas ânsias da pele e da pulsação cardíaca. O sonho é a combinação do que é possível recordar; daquilo que pertencera ao próprio ego e que é falsificado pela vontade.
         Não há sono neste pesadelo extraordinário e a nossa ganância materialista fora sacramentada na carne. É o coletivo diferenciado pela diferença individual dos animais superiores, onde o tempo equilibra-se sobre a corda-bamba. O sonho do sono não falseia gentilezas, mas os sonhos dos iguais, despertos, traem a memória; a razão. São estereótipos legislados catedraticamente. Por dentro, estamos no escuro; num lugar atípico sobre o qual não há curiosidade suficiente para expelir através do espelho carnívoro. Por fora, somos um coletivo de máscaras metamórficas, agregadas por valores e desconfiança; um sonho que ninguém sonha sobre a cama. Por fora, somos magnos. Nosso pessimismo deriva da inocência do crescimento prematuro. Por fora, somos paisagem das peças internas; o esboço da ciência divina em dividir em substâncias o coletivo. O coração acompanha o deserto da ilha; o cérebro, o aparato da vida.
          A coleção.

31/12/2010

#tweetumdesejopara2011

Dois Mil e Dez foi um ano justo. Digo, tudo o que ele deu a quem quer que seja jamais poderia ser visto como canalhice, porque neste ano o Brasil não foi o único a mostrar a cara. Ah, Brasil! Nosso circo ainda está armado. Basta comer do pão. Nossos princípios já foram modelados no joguinho de “Show do Milhão” mesmo.
Eu vi, 2010, as pessoas te agredirem. Eu vi pessoas. Pessoas. Relógios quebrados e duas mãos vazias. Não vi pessoas. Vi imagens embaçadas, distantes; cabelos, costas, nádegas e calcanhares. Nunca rostos! Sequer houve a tentativa de cara-a-cara da parte deles. Nunca puderam abraçar, porque só havia a carne. E todos os quase cinqüenta sempre couberam na cabeceira da minha cama e meu abraço os abraçava indistintamente. E eu acordava com as mãos trocadas por sobre os ombros.
Desliguei a tevê, enquanto gladiadores lutavam no Coliseu Midiático para venderem estereótipos. Eu vi a Revolução Industrial Amorosa. Vi amizades serem vendidas em bilheterias. Senti saudade de ninguém, porque eu despi os que eu amo. Descasquei-os. Suguei os gomos. Expulsei as sombras que acompanhavam suas cascas. Emudeci, ensurdeci. Mal enxergo. Tenho 2010 motivos para rir do pessimismo.
Dois Mil e Onze, eu conheço os teus clichês. Retuitar-te-ia se pudesses dar-me verdade. Verdade dos outros ou sobre os outros. Cartas que olhem nos olhos, abraços lidos. Virtualiza o contato físico e materializa o virtual. Quero as caras à mostra, sem racionalidade ocular. Chega de esperança! Eu só quero fé.

25/12/2010

Bate [n]o sino.

          Dezembro maquia problemas familiares. Ninguém acredita mais na magicidade do Natal. A essência dessa data está sendo esquecida, esmagada pelo comércio. O Natal tem sido um eco de estética; um adeus frívolo à fé.
          Esperança é ainda uma fila de espera, porque ninguém acredita mais na ação do presente. Aliás, a ação é sempre uma perspectiva para o futuro. As pessoas temem mais do que respeitam. Rezam quase que por osmose. Não respeitam o Natal. Nem se trata de respeitar esse nome, porque isso não é um slogan, trata-se de paciência para compreender o que isso denota.
          Esse ócio humano é o palco da atuação capitalista, porque o capitalismo depende de futilidade e a futilidade, por conseguinte, depende do vazio. Vazio transbordado de qualidades bipolares. As árvores robustas e presentes já bastam. O materialismo fora fortalecido e incentivado pelo sistema. Sistema! E ninguém diz não.
          O Natal tem sido uma barganha. O próprio abraço e as palavras têm sido barganhas. Tudo dentro de um grande contrato. Compra-se sentimentos, lágrimas. Verdade. Não se chora por saudade. Pessoas choram pelo desespero de serem impedidas de conjugarem o verbo ter. Tomar posse de tudo. Todos querem protagonizar numa peça já escrita.
          Dezembro é um carnaval antecipado. Presentes, discursos e o ensaio sobre o amor. Natal é um beijo frio à neve. É o toque realista da moeda. É a união mais desunida. É família.
          É a ceia.

Publicado no site Jornal Jovem.
Repórter Jovem Comenta - Especial - Dezembro 2010, Nº 20.

20/12/2010

Noir εt Rouge.

          Sabe-se apenas que houve algum tipo de mudança. Nem ela sabia. Sua mocidade ligada à hipocondria de prender-se ao destino, mesmo incerta sobre a existência de algo tão contraditório mediante seus princípios tão bem enraizados e detalhistas quanto um projeto arquitetônico. E seus sonhos tão palpáveis, carregados de um realismo cruel — quando se tratava dela —, chegavam a raptá-la da sociedade, tão medíocre, que sequer amparava o egoísmo.
          A sagacidade daquele moleque era tão atraente quanto aquela coisa muito dela de querer investigar os outros; saber se ela se encaixaria, fosse às formas corporais ou nas almas que ela, posteriormente, roubaria para si. Eles eram como uma medalha; assim: dois aliados subordinados; fiéis. O amor seria como uma oração inóspita se eles não tivessem tido cautela. Aqueles dois corações nus seduziam-se reciprocamente. Ele mergulhado em sua sobriedade e ela apenas cantarolava seus ditos românticos que embalavam as mentes periféricas daquele bando de tolos que apenas falseavam ouvi-la.
          A carência daquele chistoso fora satisfeita por aquela cuja anatomia a transformava num inseto vulnerável, mas aquela boca inquieta feminina tapeava os rostos daqueles analfabetos funcionais por opção. Ele sabia o que estava por trás do cinismo cuspido por ela, que todos aplaudiam. Ela nunca pôde controlar a língua. Espevitada, por herança genética. Ele se embalava no balancinho da varanda e esculpia aquele corpo imaginário à mão. Aquele corpo que cresceu de dentro para fora nunca amou ou precisou desesperadamente do contato à noite fria. A maquiagem que a mantém angelical é o pó compacto, compactado pelos versos da oratória que remetiam as memórias fragmentadas de seu pupilo gemelar.
          Eles sempre souberam como lidar com exageros. Sabiam dosar a quantidade de sentimentos que muitas vezes não ultrapassavam a ponta da língua. A liberdade denotava a intimidade espiritual daqueles dois corpos. O abraço preenchia espaços vazios, ainda que persistisse o vazio microscópico. Eles nasceram grudados, em diferentes ventres. São muito pouco sem essa cola poderosa que prende seus pulsos.
          Pulsa.
          Eles não estão ligados por carinho. Isso é só a amostra. Estão ligados pelo medo. Medo de expulsarem verbalmente a vida breve. Medo de romperem o silêncio.
          De morrerem sós. E mais ainda de viverem juntos.


Publicado no site República dos autores.

17/12/2010

O coveiro e a esfinge.

          A pessoa da qual tu depreendes a capacidade intrínseca de refletir nas tuas formas corporais espelhadas é propriamente aquela da qual a tua alma se serve. Ela entendeu isso, ainda que tenha sido da forma mais inócua possível: uma adição aritmética. Fora uma gestação de 18 anos — Extrauterina —, cerebral. Uma negociação subtracional e um terno aceno ao coveiro.
          A interação entre duas almas é, no entanto, como uma prisão. Ela nunca hesitaria em vê-lo, ainda que ele representasse o polo negativo; um cisco no olho. E as memórias muito bem dispostas no HD cerebral que ela insiste em proteger. Os ouvidos atentos da jurisprudente sempre souberam a sentença, dentro da lei da vontade, para aquele caso concreto.
          Ela ainda engatinha. Mas já ensaia os passos para quando aquelas duas mãos masculinas a soltarem. E aplaudirem-na mediante o jardim que ela se encarregou de manter.
          As flores murcharam e o coveiro construiu o próprio jazigo, onde habitam as migalhas de amor, que ela apenas tem devolvido. Ela não é mais aquela hipérbole de antes, pois a física a convenceu dos benefícios do par Ação-Reação.
          Ela é exatamente o resultado das inconfidências dele. Essa figura enigmática que ela tem otimizado em seu interior é tão somente sua válvula de escape. Escapar do melhor que já lhe aconteceu; daquele que construíra a catedral do matrimônio, demolida posteriormente.
          Ele que conjugou todos os verbos, fora destruído por três letrinhas que ela disse ao som da música da harpa encantada. Três letrinhas tão certas quanto o rosto despido daquele que sempre amou.
          Ninguém.

12/12/2010

2012 também é mentira.

Estamos a dois anos do fim dos tempos. Até em filmes descrevem o que acarretará o fim. E as igrejas lotam. É como uma barganha com Deus, há de se dizer. A fé é uma garantia; um sentimento eficaz, pois ninguém conseguiu ver o rosto de Deus, suponho. É claro que já tentaram coisificar a figura do Deus mais famoso de toda a História, mas já basta, no nosso caso, saber que Ele é brasileiro. Basta que dê certo, além dos créditos ao misticismo.
Mentira! Ora, como um ser humano nato, tu nunca acreditarias em algo tão pouco palpável. Mas há sempre uma possibilidade de contrato. Lembras das promessinhas canalhas que tu fizeste só porque tu querias encobrir uma mentirinha bombástica? Para quem tu apelaste? Vais dizer que chamaste o Chapolin Colorado? Deus: quatro letras transformadas numa simples interjeição!
O problema não está na cornucópia interrogativa. Não! Está na sponcio dos que respondem. Verdades, mentiras. Tudo permeia uma aritmética nula.
Não nos desfazemos de nossa pretensão de querermos transcender. Essa coisa muito nossa de deduzir com base em fortúnio. Somos superficiais. A relatividade é uma cólera humana. Ora aplausos, ora vaias. Antagonismos que sustentam a nossa integridade; desrespeitam qualquer tentativa de antecipação. Aí tu esperas. Desesperas-te. Vemo-nos em 2012. Ou não.

11/12/2010

Apesar das vírgulas.

Ninguém mais acredita no poder da gramática; na sutileza bem escrita que sublimaria um ‘NÃO’, por exemplo. Ainda assim querem verbalizar sentimentos. Atiram tudo dentro de um envelope e enviam por sedex ou copiam um texto super mal escrito de um site qualquer e pronto: eis o seu depoimento de ‘Feliz Aniversário’.
Transformaram sentimentos em clichê. Assim: sem dó. Conjugá-los tornou-se algo tão espontâneo quanto dizer ‘Bom dia’, de dia ou ‘Boa noite’, à noite. Perderam o sabor do mistério. Eles são quase cuspidos subitamente. Habitam a vontade. Só. Digo, sentimentos existem porque tu os alardeias desesperadamente. Sempre é mais simples escrevê-los do que dizê-los. Pior: sentí-los deixou de ser prioridade, há tempos.
A linguagem é uma salada. Um mal entendido. Misturaram o que deveria ser indizível com o óbvio. Pluralizaram algo concreto, ainda que o concreto independesse de visibilidade. Complexizaram a simplicidade do verbo sentir.
As frases justificam o que nem o teu rosto consegue descrever. Essa coisa banalizada é só uma armadura. Os teus sentimentos são datados; um discurso auxiliado pela tua bela entonação. São um texto dependente de sintaxe.