27/12/2011

Latência.


Acabara de ressuscitar do sonho. Os olhos ainda lacravam seu rostinho. Pois que se se vive por um dia, criança; é porque sobreviveu. Abrira os olhos finalmente para contemplar aquela paisagem pálida. Ele descera as escadas e correra para o jardim. Fechou os olhos como que praticando uma autoeducação sensitiva. Saboreou o aroma das flores, ouviu o vento mergulhar entre elas e as acariciou com as mãozinhas. “Éli-ú-tê-ó”, sussurrou.
Viver é um paradoxo porque viver é poesia. A felicidade da serenidade e a paz que o pequeno buscava, ele buscara ao contrário. Não sentira dor, não lagrimara. Apenas sorrira. Ele brincava de ligar e desligar-se da própria vida.
Súbito, voltara-se para a cabana inóspita. Lembrara-se do que buscava — uma chave que abria nada. Era véspera. Fora véspera várias vezes. Ele simulava as cores. Escrevia no ar. Pontuava as entrelinhas. Ele criava seus próprios quadrinhos e dançava enquanto percorria as folhas.
À noite, repousava sobre a grama e aquecia-se com um lençol escuro com pinguinhos brilhantes. Transubstanciava o desconhecido coadunado a sua fé. Sua felicidade estava inscrita nos verbos, pois que quem conjuga o substantivo verbaliza a dinâmica da alma.
Lembrara-se da seda trajando uma rapariga que nunca trajara seda, mas isso muito pouco importava porque a estória era dele.
Lembrara-se de que era sonho, porque ele sentia uma plenitude arrebatadora, pois que não havia solidão naquele teatro mudo. Havia toda a gente que fugia de sua íris porque ele estava no escuro da luz inconsciente. Mas ele os via. Ele a via, mas não havia. Seu coração não estava preparado para quando ele despertasse do sono, pois que para a ele a vida era surpresa deliciosa.
Lembrara-se de que crescera, mas ainda sonhava.
Lembrara-se de que o mundo está recheado de pessoas importantes; de pessoas não que substituam, mas que preencham. Lembrara-se de que já perdera certa vez. Aprendera que amar é permitir que o outro voe e permitir-se igualmente voar. E que amar alguém é também desapegar-se e não coisificar para colar em álbuns. Aprendera a despedir-se para vincular-se a alma de quem existiu para eternizar a figura tocável e eternizar lembranças ainda que não vividas.
Lembrara-se de que era verdade porque ele queria com todas as forças que o fosse. E aqueles olhos por trás dos lenços que mimetizavam uma pseudo personalidade o fortaleciam. Eram apenas flores, afinal. Ele ainda tinha mãozinhas. Eram flores com rostos; eram amores. Era a solidão no meio das rosas. Era o grito silencioso do ego pedindo perdão. Lamentara a luz do sol queimando suas memórias. Lembrara-se de ser feliz.
Lembrara-se porque sabia amar.