12/08/2011

À sete notas. [Ensaio I]


A vida é uma sucessão contínua de oportunidades.
(Gabriel García Marquez)


I
Dó ♫

Aquela prosopopeia da correnteza embalava os sonhos de Penélope que era, desde tenra idade, uma condenada que conhecia todas as formas de fuga, porque teve de aprender a fugir de si mesma em virtude da sua forte empatia com o espelho. A vaidade ajudava a conhecer os extremos; o que valeria a pena efetivamente. Mas Penélope era sensível. Essa conjunção adversativa persuadia a sua alma a jubilar diante da maravilha do desenho de verbos efêmeros. Efemeridade, codinome: paixão.
O rio proporcionava entendimento silenciado pelo olhar severo da guria. Porque ela nunca aprendeu a perguntar; desconhecia interrogações porque confiava demasiado na umidade ocular e no movimento das gargantas. São máscaras desnecessárias, pensava ela, porque não desmentiam culpa alguma. Ao contrário: vociferavam com certa altivez a verdade para o momento. Isso: ela também se deleitava colorindo o seu céu com paradoxos antitéticos. Ela não era má pessoa; só precisava de um amor que não encontrava entre suas equações. Então, optou pelo plural como exercício. Seus rapazes nunca a conheceram. Talvez por conta de seu rosto sem espinhas ou por seu frenesi mental.
Um rapaz distinto fora apresentado a Penélope entre claves desgovernadas criadas por ela. Hector era a personificação da cortesia combinada com sua timidez. Ela não o conhecia, mas ele já ouvira falar acerca dela. Eram dois estranhos e o tempo não solucionou o problema.
Houve um intervalo para que ambos amadurecessem suas próprias ideias e ideais. Penélope permanecia em sua rehab amorosa, porque a desconfiança fora sua droga. Seu coração era afável, mas tinha mente severa. Hector buscava, em contrapartida, a desordem para sua paz. E, de certa forma, conseguiu.
Hector amava Penélope, mas era um amor consciente demais para ser sacramentado. Inspirava insubstancialidade porque ele dessubstantivizou o verbo. Penélope não tinha a destreza do chistoso rapaz para conjugar verbos, mas ela sorria. Havia a beleza da distância física para que eles aprendessem a conhecer o sabor da palavra. Entretanto, Penélope queria sinestesia; ele, gradação.
Hector transcendia de um encanto epidêmico para o cavalheirismo hereditário. Era costume. Nada comparado à hipérbole do corpo que se opunha a fragilidade de sua voz. O universo dele era descrito na ponta do lápis e seus rabiscos contavam sua história. Ele sentia atração pela graça das abençoadas cortesãs, mas cultuava o matrimônio. Ele sempre soube como se distrair. O gaiato tinha caligrafia de um gentleman e a voz de um Ministro. Estava no sangue. Ele tinha todas as armas e desarmou-se; todas as palavras, mas calou-se. Tinha tudo, mas era conto.
Era mais simples antes de Penélope porque ela não era normal. Ela não permitia que ele a conhecesse porque sabia que seria em vão; que ele já estava dentro demais para ridicularizar a história. Ele perguntava demais. Muito embora fosse cômodo negar, Penélope não resistia à própria sinceridade: ela o amava. Ela vivera, efetivamente, um amor limpo e purificado pela maldade de não consumá-lo. Ela hesitava em vê-lo porque ele não a poderia tocar porquanto estava fascinado pela alegoria da ficção e ambos atuavam como dois apaixonados, desesperados de saudade. Do que nunca viveram.