24/07/2010

Tic - tac

Andei pensando. Não penso mais em pessoas. Não sinto mais compaixão. Não sou mais de carne e osso. Ah, eu só sinto falta do coração e do meu cérebro. Eles mantinham-me viva, sabe?. E esse relógio aqui? Deus, ele parou! Eu sabia, até. Mas eu andava muito ocupada. Sempre muito ocupada! Acho que a minha memória roubou algumas coisas ou eu mesma joguei fora o que hoje, ironicamente, posso dizer que... Ah, deixa. Quem aqui quer ser feliz? Eu juro que eu queria, mas eu não consigo!
Eu irritava as pessoas de propósito. Quem ligaria para os sentimentos delas? Eu, hein! Aposto que fariam o mesmo comigo e eu sempre achei que elas escondiam coisas umas das outras. É sempre bom investigar um pouquinho. Ninguém sabe o que eu penso mesmo. O melhor de tudo era que, vezen’quando, eu acertava!
Agora eu estou aqui. Dizem que eu era uma bela escritora. Não lembro muito disso, mas fico feliz em saber que fui lembrada ou condecorada. Andam me testando neste lugar. Disseram que eu tenho sorte e eu devo ter mesmo. Eu tinha vários amigos lá, sabem? Isso foi antes de me trazerem para o que chamam, aqui, de paraíso. Ai, eu me sinto um balão. É engraçada a sensação. O Miguel disse que é justamente por eu não ser mais de carne e osso.
Nossa! Eu não sei se eu fiz tudo o que eu queria fazer. Deus! Será que eu disse o que eu tinha para dizer? Será que eu amei quem eu tinha de amar? Ah, não sei! Amar eu sei que eu amei. Eu ria muito com aqueles loucos. Não tão loucos quanto eu, mas, sem eles... Ok, sempre tive problemas para expressar meus sentimentos! Mas, eu confesso que eles me aproximavam da felicidade. É, era nisso em que eu pensava antes deste relógio parar.


Publicado no site Jornal Jovem
Categoria Crônica: seção livre
Novembro de 2010 - Nº 19